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CONCERTO OFICIAL: Shostakovitch foi destaque no programa do final de semana

05/06/2006

Saiba mais sobre o regente convidado

Saiba mais sobre o solista


Dmitri [Dmitrievich] Shostakovich (São Petersburgo, 1906- Moscou, 1975)
Considerado um dos maiores compositores do século XX, Shostakovich compôs uma extensa obra que inclui quinze sinfonias, igual número de quartetos de cordas, óperas, música sinfônica e de câmera, além de peças para cinema e teatro. Como admirador de Gustav Mahler (1860-1911), freqüentemente seguiu o precedente aberto por ele de justapor o banal ao sublime. Suas peças são marcadas por extremos emocionais que vão desde a intensidade trágica ao humor e à paródia, chegando por vezes a um sarcasmo selvagem. Tal contraposição de sentimentos levou Boris Schwarz a afirmar que “na estrutura de Shostakovich, Bach e Offenbach teriam sido sempre vizinhos amigáveis”.


Apesar de sua adesão aos ideais da Revolução de 1917, enfrentou problemas com os adeptos do Realismo Socialista, que consideravam sua obra em desacordo com os anseios do proletariado. Em 1936 um artigo publicado no Pravda intitulado “Caos em lugar de música”, o acusava de “sensacionalismo pequeno-burguês” e “formalismo”. Superou esse revés apresentando em 1937 a Sinfonia nº 5, um de seus maiores sucessos, e recebeu o Prêmio Stalin em 1940 e 1941. Neste ano se engajou como bombeiro durante o cerco alemão a sua cidade natal e dessa experiência surgiu a Sinfonia nº 7, Leningrado. Após a ascensão de Zhdanov foi acusado de “perversões formalistas e tendências anti-democráticas, alheias ao povo soviético e seus gostos artísticos”. No ano seguinte ganhou seu terceiro Prêmio Stalin com a composição do oratório nacionalista Canção das Florestas. Com a ascensão de Khruschev, o Estado deixou de policiar a criação artística e Shostakovich pode compor mais livremente.
Abertura Festiva em Lá Maior, op. 96 (1954).


Esta peça foi escrita a pedido do regente do Teatro Bolshoi, que às vésperas de um concerto comemorativo do 37º aniversário da Revolução de 1917 ainda não tinha encontrado uma obra apropriada para a abertura. Shostakovich, que era consultor musical naquele teatro, aceitou o desafio e escreveu a obra em dois dias.
Segundo seu amigo Lev Lebedinsky, a peça foi escrita em velocidade vertiginosa, e enquanto o fazia Shostakovich “contava piadas e compunha simultaneamente, como o legendário Mozart.”
A obra começa com uma fanfarra chamada pelos trompetes e os instrumentos vão sendo adicionados até que surge o primeiro tema, que faz referência à abertura da ópera Ruslan e Ludmila de Mikhail Glinka, compositor nacionalista considerado pai da música russa. O segundo tema traz uma melodia lírica para trompas e violoncelos, logo apropriada pelas cordas agudas. Uma seção para cordas em pizzicato e percussão, atua como uma transição para a volta do primeiro tema e a música se encaminha para um primeiro clímax, com a combinação dos dois temas principais em contraponto. Um segundo clímax acontece com a recapitulação da fanfarra inicial e uma explosão grandiosa conclui essa Abertura que, nas palavras de Lebedinsky, é “brilhante e efervescente, derramando sua energia vivaz como champanhe desarrolhada”.  

Concerto para Violino e Orquestra em Dó Sustenido Menor, op. 129 (1967)
Último concerto de Shostakovich, foi escrito em homenagem ao violinista David Oistrakh (1908-1974). A tonalidade escolhida, Dó sustenido menor, não é muito confortável para o violino e acredita-se seja uma referência ao Quarteto de Cordas opus 131 de Beethoven ou à Sinfonia nº 5 de Mahler.
Violoncelos e contrabaixos explorando um conjunto de quatro notas iniciam o concerto, e sobre eles o violino solista apresenta uma melodia contemplativa. A textura vai se adensando e a música se agita. Um novo tema é introduzido e há um diálogo entre solista e madeiras, tendo a percussão como fundo. Adiante um crescendo culmina na chegada de uma marcha e a percussão é cada vez mais enfática. Depois de um desenvolvimento, o solista apresenta uma cadenza e há uma recapitulação. O movimento se encerra com uma nuança espectral.
O segundo movimento, Adágio, tem forma tripartite. Começa com o solista, que se engaja em diálogos com instrumentos de sopro.  Aqui também há uma cadenza, mas de caráter diferente da anterior, pois além ser escrita sobre um rufo de tímpano, começa com acordes explosivos, seguidos por passagens virtuosísticas; ela se transforma em um tipo de recitativo sobre as cordas orquestrais em tremolo. Enquanto estas em surdina se encaminham para o final, um solo de trompa conduz a uma conclusão suave e poética.
A partir da nota deixada pela trompa o solista introduz novo Adágio, enquanto trompas fazem um comentário zombeteiro. O Allegro é escrito na forma de um Rondó, cujo caráter é por vezes ácido. Entre os refrões aparecem três episódios contrastantes: o primeiro, de caráter lírico, o segundo, um scherzo, e o terceiro apresenta um diálogo entre solista e madeiras, concluindo na maior e mais expressiva das três cadenzas que aparecem neste concerto.

Sinfonia nº 6 em Si menor, op. 54 (1939)
Apresentada em 1939 em Leningrado (São Petersburgo), essa sinfonia causou polêmica, pois Shostakovich, que havia anunciado uma obra monumental para solistas, coro e orquestra baseada no poema “Vladimir Ilyich Lenin” de Mayakovsky, apresentou uma obra puramente instrumental, sem qualquer menção ao antigo líder soviético. Além disso, a estrutura da sinfonia era bizarra, começando com um longo e introspectivo Largo, seguido por dois movimentos menores, Allegro e Presto. Este último agradou muito ao compositor, que achava impossível que mesmo os críticos mais duros achassem falhas nele.
De fato não o fizeram, demoliram a obra como um todo. Segundo Shostakovich seus detratores detestaram a estrutura pouco formal da sinfonia e a “desajeitada e gritante justaposição de humores”.


De fato, aqui encontramos desde a expressão de um drama existencial no Largo, sonhos e pesadelos no Allegro, terminando com o Presto, de caráter ambivalente, descrevendo uma alegria que parece ter algo de desconfortável. O Largo, lírico e pensativo, remete a Bach pela trama contrapontística. Uma longa e escura melodia tocada em uníssono, é seguida por um desenvolvimento e tudo se encaminha para um clímax algo catastrófico chamado por um solo de trompete. Uma marcha de tom fúnebre paira sobre toques distantes de tímpano e após um estranho solo de flauta em estilo oriental, reaparece o primeiro tema e a marcha fúnebre.
No segundo movimento, Allegro, coabitam o espectral e o terreno. Uma melodia de violinos sugere melancolia, enquanto clarinete baixo e fagotes introduzem outro tema de pouca claridade. Neste clima acontece o tutti da orquestra e no desenvolvimento, tons ainda mais escurecidos, aprofundam o sentimento de pesadelo. A recapitulação é breve e as imagens se esvanecem como fantasmas antes do amanhecer.


O terceiro movimento é uma marcha triunfante, reforçando a oposição entre mundo interno e externo. Através de uma brilhante urdidura harmônica, o compositor cria um pêndulo constante entre humor e sarcasmo, entre luz e sombras.
Quem sabe o caráter dúbio dessa sinfonia e de grande parte da produção de Shostakovich não esteja embutido na frase dita por ele em 1973: “Toda peça de música é uma forma de expressão pessoal para seu criador... Se uma composição não expressa o ponto de vista pessoal do compositor, suas próprias idéias, então ela não deveria, e nem mesmo merecia, ter ser sido criada.”


Lenita W. M. Nogueira


DICIONÁRIO MUSICAL

Jacques Offenbach (Colônia, 1819-Paris, 1880) – Um dos criadores da opereta francesa; suas obras eram muito populares no século XIX e seus temas em geral envolvem tratamentos satíricos de obras conhecidas como La Belle Hélène ou Orphée aux Enfers (na qual encontra-se o famoso Can-can).
Tremolo – rápida repetição de uma nota, ou a rápida alternação entre duas ou mais notas.
Tutti – a orquestra completa
Zhdanov, Andrei (1896-1948) – Político que estabeleceu a doutrina cultural na União Soviética, conhecida como zhdanovismo; preconizava que o Realismo Socialista, cujo propósito era promover uma arte que retratasse os feitos do proletariado, era a única arte legítima.


 

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