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Entrevista com o Maestro Parcival Módolo

18/03/2011

Entrevista ao Correio Popular – Caderno de Variedades – 17/03/11

Paula Ribeiro (Agencia Anhanguera)

 

 
Desconstruindo um maestro
 
Parcival Módolo lembra sua paixão pela música e revisita sua carreira.
 
O maestro Parcival Módolo, regente da Sinfônica de Campinas, que estreia a temporada neste final de semana: paixão pelo erudito.
 
De volta ao posto de maestro TITULAR da Orquestra SINFÔNICA Municipal de Campinas,
 
Parcival Módolo diz que seu RETORNO se deu mais por APREÇO ao grupo do que como um DESAFIO. É tirar o melhor do grupo. O melhor que eles podem me dar levando em conta os limites
que eles têm.”
Apaixonado por música, o regente relembra a sua TRAJETÓRIA e fala sobre sua vida à frente de uma orquestra.
 
Maestro retoma o posto de titular da Sinfônica
 
Parcival Módolo retorna neste ano ao posto de maestro titular da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas muito mais por apreço ao grupo do que como um desafio. Viveu anos fora do País, estudando regência com mestres como Zubin Mehta, Nikolaus Harnoncourt e Sergiu Celibidache;
regeu orquestras importantíssimas e de renome, mas preferiu voltar para o Brasil e encarar o desafio de formar público com a orquestra cuja trajetória acompanha desde a adolescência. Apaixonado por música e por fogão, o regente, natural de Americana, recebeu o Caderno C na sede da orquestra, que abre a temporada neste sábado.
 
Caderno C — Qual a primeira memória musical da sua vida?
Acho que é de família. Especialmente nos eventos de final de ano, no Natal na casa dos avós maternos — onde tem muitos músicos amadores e profissionais—se falava muito de música. Tinha um piano na casa, todo mundo passava por lá e dedilhava alguma coisa.
 
Com qual idade?
Quando eu comecei a tomar conhecimento do mundo. Lá pelos 7 eu comecei a ser alfabetizado musicalmente por uma tia que era pianista e a ter as primeiras noções de música, em forma de brincadeira.
 
Seu caminho estava trilhado, então?
Pois é. Não é assim também que eu nasci para isso. Acho que não. Gostava de muita coisa, tinha várias opções para estudar.
 
Você ficou em dúvida entre música e o quê?
Me interessava muito a área de conhecimento geral que a História te dá. Publicidade me interessou muito, fiz algumas experiência na área de propaganda e marketing. E era uma opção que foi se tornando bem concreta. Mas sempre fazendo música.
 
Fez conservatório?
Fiz e tive um monte de professor particular. Fiz piano, viola de orquestra, trompa. Estudava, lia muito, queria saber.
 
Ia a concertos? Ia muito a concertos e adorava assistir a ensaios. Muito cedo eu conheci gente que estava fazendo experiências novas na área de regência. Gente que estava chegando dos Estados Unidos, trazendo novidades na área. Com 13 anos, em Americana, comecei a ir para São Paulo para ter aulas, o que era uma coisa incrível. Precisava de autorização do juizado de menores, meu pai me botava em um ônibus aqui e um tio, que morava em São Paulo, me esperava na rodoviária. Quando eu tinha exatamente 13 anos, fiz um curso de regência nas férias, e isso foi me fascinando.
Por causa desses contatos em São Paulo, me dividi entre a escola e lá. Assistia a tudo quanto é concerto, fiz amizade com vários músicos de orquestra lá e comecei muito cedo a ir para os festivais de Campos do Jordão, nos primeiríssimos festivais, em 1974, 1975. Sou sócio-fundador dos festivais de Campos. Tinha uma relação muito próxima com o maestro Eleazar de Carvalho. Passei a ser monitor dos cursos, então fiquei muito próximo desse mundo musical de São Paulo. Isso obviamente
me marcou muito. A experiência foi decisiva na minha vida, porque foi lá que eu vi que estava errado em pensar em qualquer outra coisa. Em 1975, 1976 circulava por Campos do Jordão uma roda de músicos que deram muito certo, como o Roberto Minczuk, que era um molequinho e tocava trompa; o irmão dele, o Arcádio; Oswaldo Colarusso, Fábio Mechetti, Lutero Rodrigues, o (Roberto) Tibiriçá. Era um grupo que se fechou muito, que ficou muito próximo devido à convivência. Isso foi decisivo e bem marcante, porque era a turma jovem fazendo diferença.
 
E quando chegou a hora da faculdade?
Fui estudar em um curso que era meio conseqüência dos festivais na época, porque era dirigido para a turma do Eleazar de Carvalho. Era gente da intelectualidade musical que se juntou e criou o
curso da Unesp (UniversidadeEstadual Paulista), que hoje é herdeira desse movimento. Acontece que quando eu estava no terceiro ano da Unesp saiu a minha bolsaconvite para a Alemanha, porque
um dos professores que eu tinha tido no passado, o João Faustini, havia estudado com um alemão que ficou fascinado e me fez ser apresentado a ele, que era fundador-diretor de uma escola de regência na Alemanha. E deu certo!
 
Geralmente, a decisão de ser regente vem mais tarde na vida de um músico...
Você está certa. Mas quando eu pensava na questão musical, eu pensava na música como instrumentista, algo ligado a piano, mesmo... A musicologia me inquietava muito. Eu imaginava uma carreira acadêmica. A regência foi consequência disso. Eu tinha muita facilidade em localizar período histórico, falar algo da composição, e isso tem a ver com regência. Foi mais ou menos natural, mas não foi programado, curiosamente. Com 19 anos eu já tinha regido, com grupinhos alternativos ou com orquestra, um monte de repertório. Tanto que quando eu cheguei na Alemanha para terminar o meu bacharelado, quando perguntavam para os meus colegas o que eles já tinham
regido, ninguém tinha regido nada e eu tinha uma prática de movimentos que ninguém tinha. Primeiro, a orquestra da escola e, anos mais tarde, a orquestra da cidade.
 
Qual foi a importância destes cinco anos na Alemanha na sua vida?
Total. Foi de fato a minha grande formação musical, inegavelmente. Lá conheci os meus mestres: Nikolaus Harnoncourt, a quem devo todo meu conceito de música barroca; Zubin Metha e o (Sergiu)
Celibidache. Os três grandes caras que moldaram a minha concepção de música e de regência, sem dúvida nenhuma. Cada um à sua maneira. O Zubin Metha com a técnica limpa e a precisão; o Celibidache com o pensamento intelectual e filosófico até exagerado, e o Harnoncourt, a leitura da partitura a partir de um conceito de que quem manda é o compositor e não o regente, que é um conceito muito querido a mim.
 
Abriu portas? Deu mais status?
Mais ou menos. O que aconteceu foi que, quando eu voltei da Alemanha, fiquei com um contrato com a orquestra que eu regia para voltar duas vezes por ano como principal convidado. E, quando
eu ainda estava lá, recebi uma carta da prefeitura de Americana pedindo para eu ajudá-los a fundar a orquestra da cidade.
 
Você se considera mais ligado ao período barroco?
Como meu mestrado foi sobre o período barroco, optei por fazer o doutorado nos Estados Unidos com músicas do século 19 e primeira parte do século 20. Mudei radicalmente para ter uma visão mais completa. Eu diria que o período barroco foi apenas a minha primeira paixão acadêmica.
 
Qual é a principal diferença entre a música erudita feita na Europa e nos Estados Unidos?
A diferença é brutal. Algumas são muito subjetivas. De concreto existe que os metais são muito diferentes na Alemanha. Os trompetistas alemães optam pelo trompete com chaves e não com pinos. A outra é de concepção. O ideal sonoro: mais brilhante, mais escuro; isso existe e é concreto. Por exemplo, você tocar uma obra na Catedral de Leipzig, onde o Bach passou metade da vida e de frente para o túmulo onde ele está enterrado, putz! É muito diferente de reger em um teatro de Nova York. As paredes estão vibrando os acordes do cara.O órgão que ele tocou está nas suas costas. Soa diferente, né? Isso é subjetivo, mas é fortíssimo. Esse é o principal peso.
 
O público europeu também sabe ouvir melhor...
Claro. Muito mais. Quando eu vou reger lá, a Segunda Sinfonia de Brahms, por exemplo, aí tem um velhinho na fila que comenta: “Vamos ver como esse maestrinho brasileiro vai fazer o segundo movimento”. Porque ele tem dez gravações da sinfonia. Enquanto aqui no Brasil, o cara fala: “Antarctica ou Brahms?”, achando que a piada é nova, inclusive. Mas isso delineia a minha postura em relação ao público brasileiro. E é por isso que eu optei por trabalhar aqui. Para fazer pontes, a gente tem que falar com o público, tem que fazer concerto aberto, chamar alunos das escolas etc.
De quais orquestra você foi titular?
Da de San Diego, como diretor-artístico, Americana e Campinas. Quando eu voltei para cá, em 1992, sem terminar o doutorado, as conexões já estavam feitas em vários países. Por um longo período tomei a decisão de não trabalhar com nenhuma orquestra. A posição de maestro titular é
exaustiva. É absurda.
 
Por quê?
Porque é o cara que tem o peso todo da orquestra nas costas. Ser maestro convidado é maravilhoso. Você chega lá, não quer nem saber porque o cara está de cara virada. O maestro titular não é nada disso. Ele sofre o tempo inteiro com os músicos. O ideal de qualquer maestro é ser convidado. Além de tudo, a gente ganha em um concerto da Europa o que ganha em um ano.
 
Não parece ser o dinheiro que rege a sua carreira.
Não mesmo. Absolutamente.
 
É desafio o carinho que tem pela orquestra?
Acho que sim. Não sei se o desafio. Se o desafio for muito grande eu afino, não sou tão valente (risos). Eu não luto desesperadamente pela minha função em nenhum dos lugares onde estou, porque, felizmente, eu tenho muitas garantias e isso me deixa muito tranquilo.
 
Você me parece humilde demais para um maestro com a sua trajetória. A que se deve esta característica?
Obrigado, vou tomar isso como um elogio. Eu sou assim. Talvez eu já tenha tido problemas com isso porque as pessoas esperam um maestro agressivo — e eu não sou. O meu trabalho à frente de uma
orquestra é tirar o melhor do grupo. O que me irrita muito é quando os músicos não dão o seu melhor.
 
Você sabe identificar o melhor de cada músico?
Absolutamente. E depois de pouco tempo de trabalho.
 
Por que a maioria dos maestros não é humilde?
Existe um estereótipo de regente que tem mudado muito. Como tem mudado o estereótipo de um técnico de time de futebol. Há um paralelo muito grande entre estas duas profissões. Os dois vêm de fora para um time que já está pronto. Do time inteiro, o cara que corre o maior risco (de ser demitido) é ele. Quase só ele e mais ninguém. Se a coisa não vai bem, é ele o culpado. Se vai bem, a glória é dos músicos (ou dos jogadores). Eu consigo fazer isso bem, alguns regentes, não. Então eles querem garantir este espaço a cotoveladas.
 
A orquestra tem fama de ter músicos preguiçosos. É verdade?
Não sei. Eu ouvia muito dessa fama fora da orquestra, mas estando próximo... São poucas orquestras que têm uma temporada de 36 concertos que não refletem o trabalho da orquestra porque, além destes concertos, a gente tem 12 grandes concertos chamados de especiais. Pouquíssimas orquestras têm isso. Então acho que essa fama não é o que eu vejo no presente. Tem músicos que discutem, confrontam, reclamam que querem melhores condições e estão certos. Quando há sentido na reclamação é bem-vindo. Outra coisa: eu recebo todo mundo que quer falar
comigo. Marcou, estou aqui, minha porta está aberta.
 
Ainda faltarão músicos depois dos que passaram no concurso serem chamados?
Faltarão. Esses 17 que deverão vir em breve vão suprir um buracão. Depois chamaremos os outros 19. O primeiro oboé se aposentou e a gente não podia abrir o edital para esta função então teremos que chamar cachê.
 
Como é ter como sede o Centro de Convivência em estado tão precário?
Eu gostaria muito de poder oferecer aos músicos condições melhores. Basta entrar nos camarins da orquestra para ver a nossa realidade. Isso é complicado. A gente tem quebrado galho nesses últimos anos. E o bem público é complicado, porque tem um monte de empecilhos legais. Todos
corretos. Mas acho que aqui tem algumas vantagens por ser no Centro, ser turístico — gosto de ser integrado na realidade urbana. Não acho a acústica tão ruim assim. Sou muito solidário aos músicos no que se refere na limitação de espaço físico.
 
A inauguração do Castro Mendes é uma esperança?
Minha, é total. Estou completamente entusiasmado com esta possibilidade embora ache que a gente perderá essa coisa da geografia. Por tudo que eu ouvi, tudo será melhor. Estamos animadíssimos com a idéia da apresentação de Carmina Burana, que tem data marcada, então espero que aconteça.
 
Pode-se dizer que com você à frente da orquestra ela será mais acessível?
Com certeza.
 
Essa sua paixão por saber o contexto em que a música foi feita é antiga?
Sim, eu ficava desesperado por saber. A musicologia sempre me interessou. E hoje em dia ela é importantíssima para aproximar o público.
 
Você tem alguma outra paixão?
Tempo livre: avental e cozinha, sempre.
 
Você costuma ouvir música?
Não. Nunca. Nunca ouço música enquanto faço algo. Começou a música, para o resto. E música é sempre trabalho. E eu separo muitas horas do meu dia para trabalhar, muitas.
 
Você ouve só música erudita?
Não. Ouço MPB, chorinho. Mas não sou consumidor de comprar CD, baixar, nada disso.
 
Ouve axé, sertanejo...
Tem umas coisas que são muito ruins. Não dá.

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