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Autores e Obras

08/03/2013

LUDWIG VAN BEETHOVEN (Bonn, 1770-Viena, 1827)

A Consagração da Casa (Die Weihe des Hauses), Abertura, Op. 124

Esta peça foi composta para a reabertura do Josefstadt Theater, localizado nos subúrbios de Viena e dirigido por Carl Friedrich Hensler, amigo de Beethoven. Como não tinha muito tempo, resolveu utilizar uma revisão de As ruínas de Atenas, op. 113 (1811), música incidental que havia composto para a inauguração de outro teatro em Pest. Beethoven alterou o texto para adequá-lo ao novo contexto, a peça homônima de Carl Meisl, e promoveu diversas mudanças na música, acrescentando uma marcha, o coral Wo sich die Pulse, além de uma nova abertura. Estreou no dia 3 de outubro de 1822, mas não foi utilizada na inauguração do teatro, pois compositor não conseguiu termina-la a tempo. O caráter de A Consagração da Casa é de celebração, ao contrário de As ruínas de Atenas que tem um clima algo desolador.

No que se refere à forma, Beethoven se inspirou no modelo da Abertura Francesa, influenciado pelo compositor barroco (ca. 1600-1750) Georg Friedrich Händel (Halle, 1685-Londres, 1759). Dentro desta linha, a peça tem uma introdução lenta que precede uma fuga vigorosa, elaborada em uma textura bastante contrapontística. Beethoven admirava profundamente o trabalho de Händel, tendo afirmado a um aluno que este compositor era “o mestre inigualável de todos os mestres! Vá e aprenda a produzir efeitos tão magníficos com meios tão modestos”.

Embora fosse alemão, Händel produziu a maior parte de sua obra em Londres, onde adquiriu fama e fortuna. Para se ter noção da sua importância, basta dizer que foi sepultado na Abadia de Westminster, como um membro da nobreza inglesa.

Na época em que apresentou esta obra Beethoven já estava completamente surdo, era considerado excêntrico pelo isolamento em que vivia. Na estreia da peça, ele regeu a peça e executou a parte do teclado com auxílio do mestre-de-capela do Teatro Josefstadt sentado de um lado e do outro seu discípulo e amigo Anton Schindler. Esta foi a última composição de Beethoven ligada ao teatro, mas não teve grande sucesso na época.

Sinfonia n° 9 em Ré menor, op. 125 – Coral

Se em 1822, data da composição acima, Beethoven já havia perdido a audição, o que se dirá de seu estado ao compor sua Nona Sinfonia, cuja estreia se deu em 1824? Impossibilitado de distinguir qualquer som, o compositor legou à humanidade uma das peças seminais da história da música. Além do profundo conteúdo humano que expressa, não só pela utilização de Ode à Alegria, o texto de Schiller que utilizou no quarto movimento, é notável que uma composição dessa envergadura tenha saído da pena de um homem em constante luta interior contra suas limitações. Em termos puramente musicais esta sinfonia também se destaca por extrapolar todos os limites da composição musical da época. Em suma, esta é uma obra que traz dentro de si uma enorme contradição: é produto da tenacidade de um indivíduo solitário e recluso, portador de uma surdez irreversível, mas também celebra um ideal de fraternidade e congraçamento universais.

Embora elementos desenvolvidos nesta sinfonia possam ser claramente identificados na Fantasia para Piano, Coro e Orquestra de 1808, considera-se que as bases para sua composição estão na Missa Solemnis, que estreou naquele mesmo ano de 1824. Beethoven, que havia considerado esta peça (a Missa) como uma última sinfonia, incorporou nela um novo procedimento composicional, tratar as partes vocais no mesmo patamar dos instrumentos da orquestra. Até então a prática comum era a que a orquestra acompanhasse as vozes, com papéis claramente distintos. Este fato, inédito até então, abriu as portas para o estabelecimento da sinfonia romântica, amplamente utilizada pelos compositores que se seguiram.

Embora a Sinfonia n° 9 tenha um caráter essencialmente germânico, nasceu de uma encomenda da Sociedade Filarmônica de Londres, para a qual Beethoven pretendia compor duas sinfonias, a Nona e a Décima, esta nunca concluída. No princípio o compositor não pensava em introduzir solistas vocais e coro nesta sinfonia, que seria somente instrumental. Estes elementos apareceriam somente Décima, à qual chamaria de Sinfonia Alemã.

Em Novembro de 1822 recebeu cinquenta libras para a conclusão da peça, comprometendo-se a entrega-la até março de 1823, mas, cheio de problemas pessoais e sofrendo de conjuntivite, não pôde terminar a obra no prazo. Instalou-se em Baden para dedicar-se exclusivamente a esta composição, retornando a Viena em meados de 1823 com os três primeiros movimentos concluídos. Em fevereiro de 1824 deu a obra por concluída e enviou uma cópia à Sociedade Filarmônica de Londres. Mas a Nona Sinfonia não estreou nesta cidade, que só a conheceria em 1826.

Apesar da encomenda inglesa, Beethoven dedicou a peça ao rei da Prússia Friedrich Wilhelm III, desejando que com isso a estreia acontecesse em Berlim. Entretanto, alguns patronos e admiradores como o conde Lichnowsky, o Barão Schweiger, seu discípulo Carl Czerny, o compositor Diabelli, entre outros, conseguiram apresentar a obra em Viena no dia sete de maio de 1824. Neste dia, uma sexta-feira, cerca de mil privilegiados compareceram ao teatro Kärntnerthor e assistiram à première da Sinfonia n° 9, obra que marcaria a história para sempre.

Era comum no século XIX que obras de arte mais revolucionárias fosem recebidas com hostilidade pelo público, mas no caso desta sinfonia foi diferente, ela encantou os ouvintes. Um crítico apontou Beethoven como um “gênio inesgotável que nos revelou um novo mundo.” Durante o segundo movimento, o Scherzo, o público ovacionou a peça, chegando a prejudicar a execução. Beethoven, sentado ao lado do maestro Umlauf, de frente para a orquestra, nada percebeu, até que o maestro chamou sua atenção. Ao final, sem se dar conta de que a obra havia terminado e a ovação que recebia, foi necessário que a cantora Caroline Unger o tomasse pelo braço para que pudesse ver a excitação do público, que, além de aplaudir freneticamente, acenava com lenços e jogava chapéus ao alto. Mais tarde Beethoven escreveria ao seu amigo Anton Schindler: “todo o público ficou impressionado pela grandeza de meu trabalho.”

Apesar de suas inovações, a Sinfonia n° 9 foi estruturada com os quatro movimentos tradicionais. O primeiro deles, Allegro ma non troppo, un poco majestoso, emerge com as cordas que, utilizando intervalos de quinta que parecem emergir de um vazio antes que a música se amplie para momentos mais agitados. A profusão de idéias que se segue sugere um universo em expansão. Elementos de caráter lírico são contrastados com outros mais vigorosos. Quando a exploração do material parece ter se esgotado, apresenta-se um final extenso e algo apocalítico.

O movimento seguinte, Molto Vivace, ou Scherzo, ficou marcado pela sua utilização no filme A Laranja Mecânica de Stanley Kubtick, utilizado ali por seu caráter quase demoníaco. No entanto, através dos famosos golpes de tímpanos, Beethoven acaba por misturar o cômico e absurdo com o aterrorizante. É interessante notar que o próprio Beethoven, na sua Terceira Sinfonia (Eroica) de 1802, substituiu o antigo Minueto pelo Scherzo, uma forma que dava mais liberdade para o compositor. Em todas suas sinfonias anteriores era sempre o terceiro movimento, sendo que na Nona aparece como o segundo. Como era tradição na parte central do Scherzo aparece o Trio, aqui apresentado com uma melodia alegre que funciona como uma espécie de pausa em meio a tanta agitação.

Segue-se o terceiro movimento, Adagio molto e cantabile-Andante moderato, um momento de serenidade para aplacar a turbulência dos movimentos anteriores. Beethoven trabalha aqui com variações sobre um tema inical, mas a melodia não é apenas apresentada sob uma roupagem diferente, cada vez que reaparece é intensificada a um novo nível.

Chegamos finalmente ao quarto movimento, Finale: Presto-Allegro assai, no qual Beethoven incorporou o poema de Friedrich Schiller Ode an die Freude, conhecido entre nós como Ode à Alegria, cujo texto é cantado por solistas e coro. Existem alguns esboços datados de 1815 nos quais o compositor já tentava trabalhar sobre o tema de Schiller, mas nunca concluiu nada e nenhum deles tinha relação com o tema que seria utilizado na Nona Sinfonia. Schiller escreveu esta obra em 1785 e nela exalta as alegrias da comunhão, a felicidade da vida de casado, as maravilhas da natureza, do universo e do eterno mistério do amor divino.

A Nona Sinfonia, a rigor, não foi a última, já que, ao falecer em 1827, Beethoven já havia iniciado cerca de dois anos antes a composição da Décima. Mas ela permaneceu como um testemunho de seus ideais de congraçamento universal e de sua contribuição ao gênero sinfônico. Nesta obra Beethoven parte de um clima sombrio para chegar a uma visão gloriosa de um mundo dominado por amor, tolerância e fraternidade universal.

Outra contribuição de Beethoven com esta obra foi a superação da ideia de que uma peça de concerto deveria entreter os ouvintes. Ele nos propõe muito mais que isso em seus quatro movimentos, trata-se uma viagem psicológica, abarcando diversas emoções. Encara-la apenas como a superação do homem surdo, solitário e doente sobre a adversidade é muito pouco frente à sua dimensão.

 Lenita W. M. Nogueira

 

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