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Concerto OSMC 18 e 19 de Março de 2006

16/03/2006

Em 1959 foi oferecido à famosa casa de leilões Sotheby’s um manuscrito da Sinfonia nº 1 de Gustav Mahler (Kaliste, Boêmia, 1860-Viena, 1911). O documento foi arrematado e doado à Coleção Osborn da Universidade de Yale nos Estados Unidos e ali ficou sem despertar muita atenção até 1966, quando Donald Mitchell, importante biógrafo de Mahler, deu-se conta de que era na verdade a primeira versão daquela sinfonia, depois alterada pelo compositor. Nesta partitura, ao contrário das versões posteriores, havia um segundo movimento intitulado Blumine (Flores), que, por razões não esclarecidas, foi descartado por Mahler quando transformou o então Poema Sinfônico Titã, apresentado pela primeira vez em 1889 com cinco movimentos,  na Primeira Sinfonia em Ré Maior em quatro movimentos.

Após mais de sete décadas de esquecimento (a última apresentação da obra com esse movimento havia acontecido em 1894), Blumine foi trazida à luz pelo compositor inglês Benjamin Britten em 1967.  Musicalmente parece ter sua origem na música incidental que Mahler escreveu para a novela poética O trompete de Säckingen. Embora esse material tenha se perdido, a ligação entre as peças é reforçada pela assertiva de Mahler ao descrever Blumine  como “serenata ao luar tocada por um trompete nas margens do Reno”. A despeito da sua retirada da Sinfonia nº 1, citações de Blumine podem ser localizadas nessa obra.

A trompa mágica do menino (Des Knaben Wunderhorn) é uma coleção de poemas folclóricos anônimos publicados entre 1805 e 1808. Desde então diversos compositores utilizaram textos desta coletânea, entre eles Mendelssohn, Schumann e Brahms. Mas o título ficou mesmo identificado com a obra de Mahler que, como nenhum outro, soube unir texto e música que “simplesmente se juntam como se viessem da mesma fonte”, conforme apontou um crítico.

Mahler compôs nove canções para voz e piano com textos desta coleção entre 1887 e 1890, conhecidos como Lieder und Gesänge aus der Jugendzeit (Canções de um tempo de juventude). Entre 1892 e 1901 compôs mais quinze canções, estas para voz e orquestra. As primeiras doze peças desta última leva foram agrupadas sob o título Humoresken e publicadas em 1899, mas o título Des Knaben Wunderhorn  prevaleceu. As outras três canções foram incorporadas em sinfonias posteriores. Neste concerto ouviremos as seguintes canções:

- Rheinlegendchen (Pequena lenda do Reno, 1893) – Uma canção em ritmo de Ländler, uma dança campestre; nela são utilizados apenas instrumentos de madeira, trompas e cordas.

- Das Irdische Leben (A vida terrena, 1892) – Em uma canção escura e trágica, uma mãe vê em desespero a fome de seu filho, sem meios para aplacar seu sofrimento.

- Des Antonius Von Padua Fischpredigt (Sermão de Santo Antônio de Pádua aos peixes, 1893) – Sobre essa canção Mahler escreveu: “Um humor um tanto doce-amargo prevalece em Fischpredigt. Antonio prega aos peixes, mas parece estar embriagado. Sua fala é hesitante e confusa. E que esplêndida congregação! As enguias e as carpas e o narigudo lúcio, com suas estúpidas expressões olham para Antonio, esticando suas cabeças fora da água. Eu praticamente os vi na música e caí na gargalhada. Então, o sermão terminou, os congregantes nadaram para longe em todas as direções...”

- Wer hat dies Liedlein erdacht (Quem imaginou esta pequena canção?, 1892) – Uma canção de amor, na qual o poeta vê uma bela moça na janela e pede que ela venha curar seu coração ferido.

- Wo die schönen Trompeten blasen (Onde soam as belas trombetas,1898) – Na mais mais longa das canções do Wunderhorn, um soldado de partida para a guerra dá adeus à sua amada, sabendo que não haverá retorno.

Ao lado de Mahler, Richard Strauss (Munique, 1864-Garmish-Partenkirschen, 1949) foi um dos representantes do chamado Romantismo Tardio, tendência que engloba músicos do século XX que ainda mantinham vínculos com as idéias musicais do século XIX. Apesar disso, Strauss compôs obras bastante arrojadas para a época como as óperas Salomé (1905) e Elektra (1909). Este não é o caso de Morte e transfiguração (Tod und Verklärung), da qual Strauss disse que “foi uma necessidade musical... escrever uma peça que começa em Dó Maior e termina em Dó Maior.”

Morte e Transfiguração é um Poema Sinfônico escrito entre 1888-89, baseado em um texto de Alexander Ritter e busca“representar a morte de uma pessoa que havia aspirado a mais alta e ideal das metas, possivelmente um artista”. O enredo trata, basicamente, de um homem que, em seus últimos momentos de vida, passa a vida em revista, a infância inocente, as lutas da idade adulta, a realização de suas aspirações, recebendo por fim a desejada transfiguração. Em 1895 Strauss, ao explicar o programa de sua obra, escreveu que o homem revê “o fruto de sua lida, a idéia, o Ideal que ele tentou concretizar e representar com sua arte sem conseguir, porque isso não é possível a nenhum ser humano. (...) A hora da morte se aproxima, a alma deixa o corpo, para encontrar a perfeição na mais gloriosa forma no cosmo eterno, o que não poderia realizar-se na terra.”

A obra é dividida em quatro seções: o homem doente e seus sonhos (Largo), a sua luta contra a morte (Allegro molto agitato), a visão da vida passando diante de seus olhos e sua entrega à morte (Meno mosso, ma sempre alla breve), concluindo com a redenção final e a transfiguração (Moderato). Musicalmente Strauss utiliza alguns artifícios para descrever os estados finais da personagem: na seção de abertura, por exemplo, delicadas síncopas (alterações rítmicas) representam a sua respiração irregular, a dor física é sugerida através de uma agitada explosão orquestral e o chamado tema do Ideal Artístico, através do qual o homem procura expressar a nobreza de seus sentimentos, utiliza saltos de oitava, procedimento característico desse compositor.

Como a derradeira ironia de sua própria existência, Strauss, poucas horas antes de sua morte, confidenciou ao genro:

– É uma coisa engraçada de dizer, mas este negócio de morrer, é exatamente da forma como eu escrevi em Morte e Transfiguração.

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DICIONÁRIO MUSICAL:

LÄNDLER – Trata-se de uma dança campestre em 3/4 ou 3/8, muito popular no fim do século XVIII na região da Áustria, sul da Alemanha e Suíça.

POEMA SINFÔNICO –  Forma orquestral em um movimento na qual material extra-musical fornece uma base narrativa ou ilustrativa. O programa da obra pode ser proveniente de um poema, novela, pintura ou qualquer outra fonte. Música baseada em fontes extra-musicais é frequentemente conhecida como Música Programática, enquanto que a música que não tem outras associações é chamada Música Absoluta.

ROMANTISMO TARDIO –  Diz-se do movimento que envolve compositores que, nascidos no século XIX, continuaram a compor durante o século XX em estilos que estavam conectados com o periodo anterior. Além de Mahler e Strauss, enquadram-se nesta tendência compositores como Serguei Rachmaninoff e   Jean Sibelius.

SÍNCOPA – Termo que indica um som que é articulado na parte fraca do tempo ou compasso, prolongando-se pela parte forte seguinte.

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