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Autores e Obras

14/03/2015
ALMEIDA PRADO (Santos, 1943-São Paulo, 2010)
Arcos sonoros da Catedral Anton Bruckner
 
Um dos mais reconhecidos compositores brasileiros, Almeida Prado estudou piano com Dinorah de Carvalho e composição com Osvaldo Lacerda e Camargo Guarnieri. Entre 1969 e 1973 estudou em Paris com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen, mestres que influenciaram fortemente a sua obra. De volta ao Brasil, em 1974 foi convidado para lecionar composição no então nascente Departamento de Música da UNICAMP, do qual se aposentou em 2000. Sua produção inclui mais de quatrocentas obras nos mais diversos estilos, desde o nacionalismo musical, passando pelo atonalismo, música pós-serial, até chegar a um estilo próprio que chamou de “tonalismo estendido” desenvolvido principalmente na série Cartas Celestes.
 
Muito ligado à religião, escreveu missas, cantatas e oratórios ao lado de peças de caráter afro-brasileiro como a Sinfonia dos Orixás (1985). Mas neste sentido, o foco de sua obra religiosa era de caráter católico, como o do compositor alemão Anton Bruckner (Ansfelden, 1824 - Viena, 1896), a quem Almeida Prado faz uma elegia na sua composição Arcos sonoros da Catedral Anton Bruckner. A peça é uma homenagem a este compositor quando se comemorava cem anos de seu nascimento, em 1996. 
Apesar de ter assumido o importante cargo de professor do Conservatório de Viena, Bruckner nunca deixou de ser o homem humilde de origem camponesa, que, imbuído de profunda devoção religiosa, permaneceu anos morando em um convento, dedicando-se ao estudo do órgão. Quando tinha por volta de quarenta anos, entrou em contato com obras de Richard Wagner e com isso seu horizonte musical se ampliou de tal maneira que se tornou adepto incondicional da música deste compositor, surgindo daí obras densas como as missas em Ré Menor e em Fá menor e a Sinfonia nº 1. A produção musical de Bruckner é considerada uma das mais importantes do romantismo alemão e, analisando a densidade e a extensão de sua obra, pode entender porque Prado se propôs a fazer esta homenagem. A peça foi uma encomenda da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas e a composição recebeu o Prêmio de Melhor Obra Sinfônica outorgado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) em 1996.
 
GUSTAV MAHLER (Kaliste, Boêmia, 1860-Viena, Áustria, 1911)
Sinfonia n° 2, em Dó menor, Ressurreição
 
Mahler se sentia triplamente exilado: por ser nascido na região da Boêmia e viver na Áustria; porque os alemães o consideravam um austríaco e, por fim, por ser judeu para o mundo, considerado um intruso e sempre mal recebido na região onde vivia. Esta condição certamente o influenciou bastante, tinha dificuldades na vida pessoal (foi um dos primeiros a ser psicanalisado por Freud) e profissional. Durante sua vida foi considerado um grande regente, mas suas composições não eram valorizadas. Atualmente é reconhecido como um dos compositores mais destacados do chamado romantismo tardio, na passagem entre os séculos XIX e XX.
 
Mahler expandiu os limites das formas tradicionais e combinou uma infindável profusão de ideias com formas tão amplas (sua Sinfonia nº 3 está no Guiness Book of World Record como a mais longa já escrita), que não é de se estranhar que durante sua vida tenha sido muito mais conhecido como regente do que como compositor, atividade à qual podia dedicar-se apenas nas férias de verão.
Talvez por isso a composição do que seria a sua primeira sinfonia, então denominada Poema Sinfônico em duas partes, demandou cinco anos de trabalho e foi concluída em 1888. A obra foi revista em 1893 e recebeu um novo título: Titã – Poema sinfônico em forma de sinfonia. Esta versão trazia um forte conteúdo descritivo-programático, eliminado por Mahler na versão definitiva de 1896, quando a chamou Sinfonia convencional em quatro movimentos.
 
A Segunda Sinfonia traz muitas relações com a Primeira, que tem suas origens em um amor fracassado e sua música reflete sentimentos, emoções e memórias, a despeito de um final otimista que, ao que parece, não agradou o compositor. Decidiu escrever uma Marcha Fúnebre, visando sepultar o apaixonado herói da Sinfonia n° 1. Entretanto, após completar a versão para piano em 1891, optou por utilizar este trecho em uma nova sinfonia, que terminou em 1894 e que recebeu o subtítulo de Auferstehung (Ressurreição) devido à utilização, no último movimento, do texto homônimo de F. G. Klopstoc.
 
A primeira apresentação da Sinfonia n° 2 ocorreu em dezembro de 1895, sob a regência de Richard Strauss à frente da Orquestra Filarmônica de Berlim, mas sem os trechos vocais, o que ocorreu somente no fim daquele ano, agora sob a regência do compositor. Mahler providenciou um programa literário para a sinfonia, que nos ajuda a compreender esta obra tão complexa.
O primeiro movimento, Allegro maestoso, é originado da Marcha Fúnebre (Totenfeier), e Mahler informa que “levou ao túmulo” o herói da primeira sinfonia. A exposição do tema é repetida em formas variadas e o desenvolvimento inclui um tema baseado no cantochão Dies Irae. Segundo o compositor, são reflexões sobre vida e morte, o propósito da vida e do sofrimento. Completa dizendo que a resposta a tais questões aparecerá no final da sinfonia. Ao final deste movimento Mahler indicou uma pausa de cinco minutos, o que é nem sempre é respeitada nos dias de hoje.
 
O segundo movimento, Andante moderato, é baseado em um tema bastante simples. Na parte central há alguns trechos mais agitados, mas a serenidade prevalece. Para Mahler, este movimento, bem como o terceiro, funciona como interlúdio, memórias e fantasias que surgem durante ritos fúnebres, imagens que “têm o efeito de um raio de sol: você pode quase esquecer o que acaba de acontecer.”
O terceiro movimento é um Scherzo, In ruhig fliessender Bewegung, é baseado na canção Antonio de Pádua prega aos peixes, do ciclo de canções Des Knaben Wunderhorn (A trompa mágica do menino). O clima de paz do movimento anterior é quebrado e voltamos à realidade através de um moto perpetuo algo sarcástico, que nos encaminha para o quarto movimento, Urlicht - Sehr feierlich, aber schlicht, uma resposta de fé. Bem mais curto que os demais, funciona como introdução ao movimento final. A solista canta Urlicht, também de Des Knaben Wunderhorn, um texto que expressa a ideia da alma encontrando a luz.
 
O quinto movimento, Finale – Im Tempo des Scherzos, é o trecho mais longo da sinfonia é dividido em duas partes, com aparição do coro na última delas. Abre com uma espécie de grito de desespero, porém há uma atmosfera de sonho, com as trompas respondendo atrás do palco. O tema do Dies Irae do primeiro movimento é retomado e, ao lado de textos de Der Knaben Wunderhorn, também é aparece o tema da Ressurreição, retirado da ode de Friedrich Gottlieb Klopstock, Auferstehung, ao qual Mahler agregou suas próprias palavras.
 
A música se agita, tornando a atmosfera cada vez mais densa. Subitamente há um silêncio que antecede a entrada do coro. Reaparece a melodia do movimento anterior, Urlicht, e no final há um sentimento de triunfo partilhado por todos. Sobre a grandiosidade deste final, as palavras do compositor definem o clima: “a crescente tensão, criando o clímax final, é tão tremenda que eu não sei, agora que se acabou, como eu cheguei a escrever tal coisa.”
 
 
Lenita W. M. Nogueira
 

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