Sinfônica faz abertura de Temporada com grandes compositores

A Sinfônica abre Temporada 2009 com obras de consagrados compositores e solo da ilustre Niza Tank, na obra de Heitor Villa Lobos, Bachianas Brasileiras, n°5.

Villa Lobos
R.Strauss
Tchaikovsky

O Notas Musicais traz informações sobre os autores e suas obras, com texto da professora Lenita Nogueira.

HEITOR VILLA-LOBOS (RIO DE JANEIRO, 1887-1959)
Bachianas Brasileiras nº 5

Seguindo a sua assertiva de que a música de Johann Sebastian Bach (1685-1750) poderia se tornar universal através do folclore, Villa-Lobos compôs entre 1930 e 1945 as Bachianas Brasileiras, uma série de nove suítes, cada uma com sua formação musical específica, nas quais buscou uma união entre o estilo denso do mestre alemão e a música popular brasileira. As Bachianas nº 5, em especial a primeira parte, Aria (Cantilena), é uma das obras mais executadas do repertório brasileiro, só rivalizando talvez com O Trenzinho do Caipira, do mesmo compositor. Escrita para soprano e oito violoncelos, alude aos baixos dos violões seresteiros que Villa-Lobos tanto admirava. Foi composta em duas etapas: em 1938 compôs a Aria, com subtítulo de Cantilena, dedicada à sua segunda esposa, Arminda (ou Mindinha, como era mais conhecida), com texto da cantora Ruth Valadares Correa, que cantou na estréia em 1939 no Rio de Janeiro, sob a regência do compositor; em 1945 agregou a Dança - Martelo, com texto de Manuel Bandeira.

Um trecho em vocalise, sem texto, inicia a obra, com a voz como que pairando acima dos violoncelos em pizzicato, num contraponto ao estilo de Bach. Somente num segundo momento é introduzido o texto, sugerindo uma modinha de salão. A segunda parte, Dança - Martelo,  inicia-se com o texto “Irerê meu passarinho do sertão do Cariri” que, com seu ritmo obstinado, sugere um desafio nordestino, numa melodia construída com fragmentos de cantos de pássaros daquela região.

Esta obra foi gravada por inúmeras cantoras de renome, entre as quais destacam-se Bidu Sayão e Victoria de Los Angeles (que gravaram sob a peça sob a regência do compositor), Maria Lucia Godoy, Kiri te Kanawa, Anna Moffo, Kathleen Battle, Barbara Hendricks, Renée Fleming, Eva Marton, Arleen Auger, Galina Vischnevskaya e Jill Gómez, entre tantas outras.

RICHARD STRAUSS (Munique, 1864-Garmisch-Partenkirchen, 1949)
Morte e Transfiguração

Ao lado de Mahler, Richard Strauss foi um dos representantes do chamado Romantismo Tardio, tendência que engloba músicos do século XX que ainda mantinham vínculos com as idéias musicais do século XIX. Apesar disso, Strauss compôs obras bastante arrojadas para a época, como as óperas Salomé (1905) e Elektra (1909). Este, entretanto, não é o caso de Morte e transfiguração (Tod und Verklärung), que segundo Strauss “foi uma necessidade musical... escrever uma peça que começa em Dó Maior e termina em Dó Maior.”

Morte e Transfiguração é um Poema Sinfônico escrito entre 1888-89, baseado em um texto de Alexander Ritter, e busca“representar a morte de uma pessoa que havia aspirado a mais alta e ideal das metas, possivelmente um artista”. O enredo trata, basicamente, de um homem que em seus últimos momentos passa a vida em revista, a infância inocente, as lutas da idade adulta, a realização de suas aspirações, recebendo por fim a desejada transfiguração. Em 1895 Strauss, ao explicar o programa de sua obra, escreveu que o homem revê “o fruto de sua lida, a idéia, o Ideal que ele tentou concretizar e representar com sua arte sem conseguir, porque isso não é possível a nenhum ser humano. (...) A hora da morte se aproxima, a alma deixa o corpo, para encontrar a perfeição na mais gloriosa forma no cosmo eterno, o que não poderia realizar-se na terra.”

A obra é dividida em quatro seções: o homem doente e seus sonhos (Largo), a sua luta contra a morte (Allegro molto agitato), a visão da vida passando diante de seus olhos e sua entrega à morte (Meno mosso, ma sempre alla breve), concluindo com a redenção final e a transfiguração (Moderato). Musicalmente Strauss utiliza alguns artifícios para descrever os estados finais da personagem: na seção de abertura, por exemplo, delicadas síncopas (alterações rítmicas) representam a sua respiração irregular, a dor física é sugerida através de uma agitada explosão orquestral e o chamado tema do Ideal Artístico, através do qual o homem procura expressar a nobreza de seus sentimentos, utiliza saltos de oitava, procedimento característico desse compositor.

Como a derradeira ironia de sua própria existência, Strauss, poucas horas antes de sua morte, confidenciou ao genro: – É uma coisa engraçada de dizer, mas este negócio de morrer é exatamente da forma como eu escrevi em Morte e Transfiguração...

PIOTR ILYICH TCHAIKOVSKY (Votkinsk, 1840-São Petersburgo, 1893)
Sinfonia n.4, op. 36, em Fá menor

No ano da composição dessa sinfonia, 1877, Tchaikovsky recebeu uma carta de amor de uma aluna, Antonina Ivanovna Milyukova, que dizia estar apaixonada e desejava desposá-lo. O casamento aconteceu precipitadamente e foi um dos maiores erros da vida do compositor. Um mês depois havia chegado ao desespero e resolveu tentar o suicídio entrando em um rio gelado e permanecendo ao relento com as roupas molhadas durante horas, numa tentativa frustrada de contrair pneumonia. A doença não veio e ele foi para a Ucrânia passar uns tempos na casa da irmã. Pediu o divórcio, que nunca foi concedido, embora nunca mais voltasse a morar com a esposa, que terminou seus dias em um hospício.

Mas 1877 foi também o ano em que Nadezhda von Meck tornou-se sua patronesse, além de amiga e confidente, com a condição de que nunca se encontrassem pessoalmente. É a ela que Tchaikovsky revelava sentimentos e angústias e a quem dedicou a Sinfonia nº 4, a qual chamava de “a nossa sinfonia”. Isso porque acreditava que von Meck “poderia encontrar nela um eco de seus pensamentos e emoções mais íntimos.”

Segundo John Warrack, biógrafo de Tchaikovsky, o compositor teve a má sorte de se envolver com Antonina numa época em que desejava ardentemente se casar, por acreditar que casamento era parte destino de um homem. E Destino é a palavra chave da sua quarta sinfonia.

A introdução é a semente de toda a sinfonia e nela está o chamado do Destino, “a força fatal que impede o impulso em direção à felicidade (...) envenenando a alma e que nunca pode ser superada”, conforme escreveu a von Meck. Esta sugeriu ao compositor que providenciasse um programa para a sinfonia, uma tentativa de explicar os estados emocionais expressados nela, o que foi feito após a conclusão da obra. Embora esse programa fosse fruto de uma conversa reservada, sem intenção de ser levado ao público, tornou-se uma espécie de “nota de programa oficial”, a explicação do próprio compositor.

Em linhas gerais, o texto diz que o primeiro som de metais que se ouve é a chamada do Destino. Esse “tema” aparece várias vezes no primeiro movimento e reaparece perto do fim do último. O Destino é “o poder inexorável que embaraça nossa procura pela felicidade...” O tema principal do Allegro descreve sentimentos de depressão e desesperança. “Não seria melhor abandonar a realidade e perder-se em sonhos?... Um doce e tenro sonho me envolve, uma presença serena e radiante me conduz, até que tudo fica escuro e a tristeza é esquecida... Mas não, são apenas sonhos. O destino retorna para nos acordar, e nós vemos que a vida é uma alternância de amarga realidade e sonhos fugidios de alegria.”

Já no segundo movimento um belíssimo solo de oboé evoca o “sentimento de melancolia que cai sobre nós quando sentamos exaustos e sozinhos à noite em casa... O livro que pegamos escapa de nossos dedos e uma procissão de memórias passa em revista. Relembramos tempos felizes da juventude, bem como momentos de aflição. Lamentamos o que é passado, mas não temos nunca a coragem nem o desejo de começar uma nova vida... Há um conforto doce-amargo em perder-se no passado...”

O agitado pizzicato do terceiro não tem um sentimento específico, são “caprichosos arabescos de imagens elusivas que vêm à mente de alguém que bebeu um pouco de vinho... Seu espírito não é nem alegre nem triste.” É feito de “imagens completamente separadas que trazem o passado na sua mente quando você adormece”.

Sobre o quarto movimento Tchaikovsky escreveu: “se dentro de você não há razões para alegria, olhe em torno. Vá para o meio das pessoas. Observe como elas podem se alegrar, rendendo-se sinceramente a sentimentos de alegria. Mas dificilmente teremos um momento para aproveitar quando o Destino cruel e incansável faz sua presença notada... Não diga que tudo nesse mundo é triste. Existem alegrias simples, mas grandes. Alegre-se na alegria dos outros. Viver é sempre possível!”

Lenita W. M. Nogueira

 

 

 

Ligia Amadio assume Sinfônica

Maestrina Ligia Amadio

Niza Tank, soprano

Temporada 2009